Especialista em dislexia no Sarah: “Criança precisa treinar para ler”





A leitura é uma invenção cultural recente que exige uma reorganização profunda do cérebro humano, diferente da linguagem falada, que emerge naturalmente. A explicação é do neurocientista francês Stanislas Dehaene, um dos principais nomes da neurociência cognitiva.


Professor do Collège de France e presidente do recém-criado Conselho Científico Francês, Dehaene foi um dos palestrantes do 1º Congresso Latino-Americano da Federação Mundial de Neurorreabilitação (WFNR), realizado nesta sexta-feira (9/5) no Hospital Sarah, em Brasília.


“O cérebro humano não foi feito para ler. Para isso, ele precisa se adaptar e reaproveitar regiões que já existem, especialmente as que lidam com linguagem falada e reconhecimento visual”, afirmou o pesquisador, ao apresentar imagens do que chamou de “área de forma visual das palavras”, localizada no sulco occipitotemporal esquerdo.


Essa área, segundo ele, se desenvolve rapidamente em crianças assim que elas começam a ser alfabetizadas, por meio da associação entre grafemas e fonemas.


“Aprender a ler é criar uma interface entre a visão e a linguagem. Mas isso não acontece sozinho e exige ensino explícito”, destacou.


Leitura exige treino e automatização


Segundo Dehaene, o aprendizado da leitura acontece em duas etapas principais: primeiro, a criança decodifica palavra por palavra, som por som, de forma lenta e consciente, depois, com treino, passa a reconhecer palavras de forma automática.


Essa automatização libera energia cognitiva para outras tarefas, como compreender o texto, resolver problemas ou aprender matemática.


“Durante a alfabetização, o cérebro das crianças ativa regiões adicionais, como os lobos parietais e frontais. Mas, com o tempo, a leitura se torna tão automática quanto reconhecer um rosto”, explicou.



Para acelerar esse processo, o neurocientista defende práticas baseadas em evidências científicas, como o ensino sistemático das correspondências entre letras e sons, a ampliação do vocabulário e a leitura em voz alta. “Ler não é um dom, é uma habilidade que pode, e deve seer ensinada”, resumiu.


Diagnóstico precoce e diferentes tipos de dislexia


A palestra também abordou como esse conhecimento pode ser usado na identificação precoce de dificuldades de leitura e nos diferentes subtipos de dislexias, termo que Dehaene sempre usa no plural.


Além disso, o especialista apontou que a dislexia não tem uma causa única e pode envolver tanto dificuldades fonológicas quanto visuais.


“Algumas crianças não conseguem ouvir bem os sons da língua — é a dislexia fonológica. Outras têm dificuldade com a forma das letras ou em focar em uma única palavra. Cada tipo exige uma intervenção diferente”, afirmou. Entre as estratégias possíveis, estão o uso do tato para reconhecer letras, o espaçamento entre caracteres ou o uso de janelas móveis que ajudam a isolar palavras no texto.


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O neurocientista francês Stanislas Dehaene é um dos principais nomes da neurociência cognitiva

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De acordo com Dehaene, a dislexia não tem uma causa única e pode envolver tanto dificuldades fonológicas quanto visuais

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Dehaene conta que, na França, crianças do 1º ano passam por uma série de testes cognitivos obrigatórios, que ajudam a detectar falhas no desenvolvimento da leitura

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Na França, crianças do 1º ano passam por uma série de testes cognitivos obrigatórios, que ajudam a detectar falhas no desenvolvimento da leitura antes mesmo do diagnóstico formal da dislexia. Em entrevista ao Metrópoles, Dehaene explicou que esses testes são aplicados no início e no meio do ano letivo e novamente no 2º ano.


“Não é apenas para estatísticas. Os resultados são enviados diretamente aos professores, que podem intervir com base nas necessidades específicas de cada aluno. Isso ajuda a prevenir dificuldades futuras”, disse.


Ele ressaltou que há uma meta nacional na França para que todas as crianças leiam 50 palavras por minuto ao fim do primeiro ano. “Não há razão para que, no Brasil, os alunos da primeira série não consigam alcançar algo semelhante. O português é até mais fácil de decodificar que o francês”, completou.


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